Estimativa da Quantidade de Oxigênio para os Estados do Nordeste

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Qual é o horizonte de demanda de Oxigênio nos nove estados do NE?

Situação no Amazonas, na crise do Oxigênio onde familiares em filas tentam conseguir encher cilindros para pacientes sob cuidados domésticos. Fonte: Edmar Barros

Enquanto na primeira onda nós tínhamos uma dinâmica de demanda do quantitativo de oxigênio para os estados do nordeste ligeiramente deslocada no tempo. Nesta segunda onda, vemos claramente uma demanda que sobe de forma sincronizada. Os processos dinâmicos de contágio nas festas de final de ano e carnaval sincronizaram a pandemia em boa parte dos estados do Nordeste. Nos resultado revelam que particularmente pode acontecer um possível gargalo do ponto de vista de abastecimento e gestão de crise. É notório o crescimento na demanda de forma síncrona em vários Estados Os Gestores e o Ministério Público podem se beneficiar destas projeções na organização de suas atuações de pressão, assim como os fornecedores devem também orientar sua prioridade de fornecimento para os Estados de acordo com um índice de projeção que descreva o agravamento e a demanda. (Figura abaixo — Modelos para o Nordeste).

Com o andar da carruagem, percebemos que alguns parâmetros importantes no enfrentamento da pandemia de COVID-19 não foram modelados nem sondados por nenhum governo, grupo de pesquisa ou mesmo pelos fornecedores das empresas interessadas em vendê-los. Entre insumos diversos, o oxigênio é um elemento crucial na luta pela vida em tempos de pandemia, neste caso a do SARS-CoV-2, ou coronavírus.

Em busca de um enfrentamento fundamentado na lógica científica, percebemos que a determinação da demanda passada e projeções de oxigênio para os Estados do Nordeste (e para o Brasil) são, praticamente, inexistentes. Sabemos muito pouco sobre os níveis requeridos de oxigênio para os próximos dias (de março à abril de 2021) . Isto é extremamente relevante para a tomada de decisões ou direcionamento estratégico das medidas emergenciais nas cidades e Estados do país como um todo.

Neste contexto, a falta de oxigênio medicinal em Manaus provocou a morte de muitos pacientes por covid-19. Em uma atitude de desespero, os gestores fizeram remoção de pacientes para outros Estados.

O consumo diário e a falta de oxigênio

No caso do Estado do Amazonas, tínhamos que, anteriormente à pandemia, o consumo diário de oxigênio era de cerca de 14 mil metros cúbicos, na sua versão medicinal. Este patamar de consumo era plenamente atendido pela única fornecedora/fabricante do gás no Estado, a White Martins. Esta empresa, em condições normais, é capaz de produzir 25 mil metros cúbicos por dia. No caso, específico, do Amazonas, a capacidade local de produção é sempre crítica devido ao isolamento geográfico O Estado não é ligado diretamente por estradas pavimentadas ao resto do país e, internamente, as cidades também não são interconectadas. Nestas condições, os suprimentos chegam aos destinos através de balsas ou aviões.

Em 2020, no ápice do primeiro pico de internações no Amazonas, o consumo de oxigênio alcançou 30 mil metros cúbicos por dia. Neste momento não foi registrado escassez devido ao regular estoque do produto. Após o período de emergência de abril e maio de 2020, o consumo de oxigênio no Amazonas regrediu para a casa dos 15 mil metros cúbicos por dia. Mas, com a evolução da pandemia e a rápida alta de casos e internações por covid-19, a demanda por oxigênio no Amazonas voltou a crescer e em janeiro bateu a marca de 76,5 mil metros cúbicos por dia.

Analisando o problema no Estado do Amazonas, vemos que não houve qualquer análise técnico-científica da necessidade do insumo e sua evolução de acordo com a dinâmica epidêmica. Entender o problema da demanda é, desta forma, um ponto importante e relevante no equacionamento do problema, para evitar que ele se repita em outros Estados do país.

Metodologia

Baseado nas projeções do modelo MOISAIC-UFRN* e na metodologia apresentada abaixo, calculamos os fluxos brutos de oxigênio necessários para o tratamento típico do COVID-19. Usamos o consumo médio de intensivistas de Natal, Rio Grande do Norte, com base no hospital Giselda Trigueiro, referência em doenças contagiosas (Dr. André Prudente), e os dados fenomenológicos fornecidos por intensivistas da cidade de Recife, PE (Dr Rodrigo Bezerra, nefrologista especialista COVID-19) . Estes valores são calibradores médios e consistentes para uso nos outros Estados do Nordeste, para os quais temos as projeções de demanda de UTI’s clínicas e críticas. No nosso modelo, levamos em consideração que o total de pacientes segue uma proporção da gravidade atribuída conforme os quadros: leve, moderado, grave ou crítico. Assim, os fluxos necessários podem ser estimados para atender às necessidades de “oxigenoterapia” , principalmente, dos pacientes graves e críticos hospitalizados. Segundo observações fenomenológicas do sistema RN, estes representam 20% do total.

(*) Modelo EpideMic InfectiOus DiSease of lArge populatIon Code — MOSAIC UFRN [1]

A Fenomenologia do problema sugere que…

Quem está em cateter nasal, utiliza um fluxo de oxigênio entre 1 a 6L/min. Quem está em Máscara de Hudson (não reinalante), pode chegar até 15L/min. Os intubados ficam em média entre 10–12L/min, mas podem chegar a 15L/min. Observacionalmente, todos estes cenários dependem da saturação de oxigênio no sangue. Então, esses fluxos podem ser alterados várias vezes ao dia. Portanto, 15L/min é tipicamente um fluxo ligeiramente superestimado e que pode ser usado como base para calcular as necessidades médias do regime de saturação dos recursos.

· Uso cateter nasal: Por volta de 2 l/min

· Se for máscara: por volta de 7 l/min

· Se for ventilador mecânico: por volta de 5ml/kg/min

· Se for Máscara de Hudson (muito usada): 10–12 l/min

Gera três cenários

I. Baixo fluxo: 6 litros (ou menos) por minuto.

II. Médio fluxo: 8 litros por minuto a 10 litros por minuto

III. Alto fluxo: 12 litros por minuto a 15 litros por minuto

Cerca de 75% dos pacientes com COVID-19 que necessitam de internação podem ser classificados como “graves” e 25%, como pacientes “críticos”. Assim, o fornecimento total de oxigênio médico necessário pode ser estimado com base nas taxas de fluxo recomendadas para cada categoria de gravidade do paciente. Desta forma, estamos fazendo aqui uma estimativa típica para a instalação de 100 leitos críticos (UTI) para COVID-19.

O Modelo

- > 75% pacientes graves: 10 L/min => 75 * 10 * 60= 45,000 L/hr = 45 m3/hr = 1080,0 m3/dia (A)

-> 25% pacientes críticos: 30 L/min => 25 x 30 x 60= 45,000 L/hr = =45 m3/hr = 1080,0 m3/dia (B)

Descritivo do fluxo total calculado

Desta forma, o fluxo total é calculado somando-se as quantidades A+B, que é igual a 2160,0 m3/dia para 100 leitos de UTI. No Rio Grande do Norte, temos tipicamente 550 UTI’s flutuantes, 100% de ocupação e fila de espera. No regime crítico, segundo esta estimativa, o RN precisaria da quantidade diária de ~11.880,0 m3/dia para 550 leitos. Aplicando-se estas condições na evolução de hospitalizações do modelo MOSAIC [1], no caso do Rio Grande do Norte, teremos o resultado da figura abaixo.

Estimativa da evolução demandada de oxigênio para o Rio Grande do Norte segundo o modelo MOSAIC-UFRN.

No teste de consistência descrito abaixo, temos os valores informados pela Sesap-RN como sendo 6 mil m3/dia em dezembro de 2020 e 7.6 mil em março de 2021. Este valor coincide com os valores integrados para os períodos, como mostrado a figura acima.

Valores Típicos de consumo Específico para o Rio Grande do Norte

  • Em 20 de março de 2021: 11.000 m3/dia
  • no dia 30/03 deve ser necessário no cenário crítico 18.500 m3/dia
  • no dia 10/04 deve ser necessário no cenário crítico 27.500 m3/dia

No pior momento de 2020, que foi no dia 01/07/2020, o consumo de Oxigênio foi de 10.100 m3/dia no RN. Tipicamente, no último sábado (20), ultrapassamos esta marca do pior patamar de consumo de 2020, porém, provavelmente com menor estoque (não confirmado). Possivelmente, já deve-se perceber por estes dias um grande desabastecimento nas UPA’s e pequenas unidades do RN. Este cenário seguirá em alta enquanto as internações seguirem aumentando.

TESTE DE CONSISTÊNCIA:

Em matéria do AGORA RN a declaração da gestão é “ O consumo de oxigênio na rede estadual de saúde do Rio Grande do Norte aumentou 15% nos últimos três meses”, segundo a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap-RN). A demanda pelo recurso passou de uma média de 200 mil/ m³ para 230 mil/ m³ por mês, entre dezembro de 2020 e março de 2021. Destes valores, temos que

  • 200.000 m3 = 6.666,6 m3/dia em dezembro. Este valor bate perfeitamente com o modelo, como mostrado na figura acima.
  • 230 000 m3 = 7.666,6 m3/dia em março. Este valor também está de acordo com o modelo, como mostrado na mesma figura acima.

Estes valores batem, perfeitamente, com os valores integrados de Dezembro/20 e Março/21 no modelo, provando a consistência do nosso cálculo. [FANTÁSTICA PRECISÃO !!]

Utilizando metodologia para os 9 Estados do nordeste

Modelos para o Nordeste. Estimativa da evolução da demandada de oxigênio para os Estados do Nordeste segundo o modelo MOSAIC-UFRN.

A Figura acima representa a projeção para os Estados do Nordeste. Comparando esta Figura com informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, e Procuradoria-Geral da República, seis Estados estão em situação crítica para falta de oxigênio hospitalar: Acre, Rondônia, Mato Grosso, Amapá, Ceará e Rio Grande do Norte. É de se esperar que BA, PB, MA e SE também entrem na lista dos Estados em situação crítica. Estes últimos, até,23 de março de 2021, ainda não foram considerados como críticos, apesar das projeções apresentarem um aumento descontrolado do consumo. Sem dúvida, a limitação de dados reais sobre consumo e estoque é relevante e não existe de forma fácil para nenhum Estado brasileiro. Seria importantíssimo comparar estas projeções com dados de estoque fornecidos pelas secretarias de saúde pública dos respectivos Estados.

Fabricação e comercialização de oxigênio para envasamento nos Estados do Brasil. A região nordeste tem globalmente os menores índices de estoque, com exceção do CE e PI.

Conclusões

O artigo oferece um panorama global da projeção de consumo para os estados do nordeste.

  1. Enquanto na primeira onda nós tínhamos uma dinâmica de demanda do quantitativo de oxigênio para os Estados do nordeste ligeiramente deslocados no tempo. Nesta segunda onda, vemos claramente uma demanda que sobe de forma sincronizada. Os processos dinâmicos de contágio nas festas de final de ano e carnaval sincronizou a pandemia em boa parte dos Estados do Nordeste.
  2. Este gráfico revela que particularmente pode acontecer um possível gargalo do ponto de vista de abastecimento e gestão de crise. É notório o crescimento na demanda de forma síncrona em vários Estados.
  3. Em vários estados a falta de cilindros é um problema crítico, que vai além da produção em si. Isso não pode ser previsto pelos modelos.
  4. O Estados do nordeste entre todos os estados brasileiros possuem globalmente os menores níveis de estoque de oxigênio.
  5. Os gestores e o Ministério Público podem se beneficiar destas projeções na organização de suas atuações, assim como os fornecedores devem também orientar sua prioridade de fornecimento para os Estados de acordo com base em um índice preditivo do agravamento e da demanda.(Figura acima).

Autores:

Prof. Dr. José Dias do Nascimento ; Dr. Leandro Almeida (Física — UFRN); Dr. André Prudente (Diretor geral do Hospital Giselda Trigueiro, Natal, RN)

Colaboração:

Dr. Jones Albuquerque (IRRD, UFRP, C4)

Dr. Jones Albuquerque (IRRD, UFRP)

Dr. Sérgio Lyra (UFAL, C4)

Revisão de Mirella Lopes (UFRN)

Referências:

[1] Modelos MOSAIC — UFRN, Lyra, do Nascimento et al. (2020). “COVID-19 pandemics modeling with modified determinist SEIR, social distancing, and age stratification. The effect of vertical confinement and release in Brazil. PLoS One, v. 15, p. e0237627, 2020. doi: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0237627

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Prof. José-Dias do Nascimento Júnior
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Written by Prof. José-Dias do Nascimento Júnior

Professor, Astrofísico, Astrónomo, Cientista, Velejador

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