Qual a demanda de oxigênio para o Rio Grande do Norte nos próximos dias?
Afinal de contas, alguém (governo ou não) calculou qual é a demanda de Oxigênio para o Rio Grande do Norte durante os próximos dias de março & abril de 2021?
Baseado nas projeções do modelo MOISAIC-UFRN* e na metodologia apresentada abaixo, calculamos os fluxos brutos de oxigênio necessários para o tratamento típico do COVID-19 no estado do Rio Grande do Norte (e nos estados do Nordeste). No nosso modelo levamos em consideração que o total de pacientes segue uma proporção da gravidade que é atribuída conforme os quadros leve, moderado, grave ou crítico. Assim, os fluxos necessários podem ser estimados para atender às necessidades de “oxigenoterapia” , principalmente, dos pacientes graves e críticos hospitalizados. Segundo observações fenomenológicas do sistema RN, estes representam 20% do total.
- Modelo EpideMic InfectiOus DiSease of lArge populatIon Code — MOSAIC UFRN [1]
“Este decreto de restrição das atividades essenciais não quebra a derivada de aumento de demanda de leitos de UTI e, consequentemente, o crescimento da demanda de oxigênio no estado. Comprar mais oxigênio retarda o problema, mas não resolve.”, destaca o Prof. José-Dias do Nascimento Jr., (UFRN)
A Fenomenologia do problema sugere que…
Quem está em cateter nasal, utiliza um fluxo de oxigênio entre 1 a 6L/min. Quem está em Máscara de Hudson (não reinalante), pode chegar até 15L/min. Os intubados ficam em média entre 10–12L/min, mas podem chegar a 15L/min. Observacionalmente, todos estes cenários dependem da saturação de oxigênio no sangue. Então, esses fluxos podem ser alterados várias vezes ao dia. Portanto, 15L/min é tipicamente um fluxo ligeiramente superestimado e que pode ser usado como base para calcular as necessidades médias do regime de saturação dos recursos.
· Uso cateter nasal: Por volta de 2 l/min
· Se for máscara de Venturi: por volta de 7 l/min
· Se for ventilador mecânico: por volta de 5ml/kg/min
· Se for Máscara de Hudson (muito usada): 10–12 l/min
Gera três cenários
I. Baixo fluxo: 6 litros (ou menos) por minuto.
II. Médio fluxo: 8 litros por minuto a 10 litros por minuto
III. Alto fluxo: 12 litros por minuto a 15 litros por minuto
Cerca de 75% dos pacientes com COVID-19 que necessitam de internação podem ser classificados como “graves” e 25%, cono pacientes “críticos”. Assim, o fornecimento total de oxigênio médico necessário pode ser estimado com base nas taxas de fluxo recomendadas para cada categoria de gravidade do paciente. Desta forma, estamos fazendo aqui uma estimativa típica para a instalação de 100 leitos críticos (UTI) para COVID-19
O Modelo
- > 75% pacientes graves: 10 L/min => 75 * 10 * 60= 45,000 L/hr = 45 m3/hr = 1080,0 m3/dia (A)
-> 25% pacientes críticos: 30 L/min => 25 x 30 x 60= 45,000 L/hr = =45 m3/hr = 1080,0 m3/dia (B)
Desta forma, o fluxo total é calculado somando-se as quantidades A+B, que é igual à 2160,0 m3/dia para 100 leitos de UTI. No Rio Grande do Norte, temos tipicamente 550 UTI’s flutuantes. Temos 100% ocupação e fila de espera. No regime crítico, segundo esta estimativa, o RN precisaria da quantidade diária de ~11.880,0 m3/dia para 550 leitos. Aplicando-se estas condições na evolução de hospitalizações do modelo MOSAIC [1], teremos o resultado da figura abaixo.
Valores Típicos de consumo no Rio Grande do Norte
- Hoje dia 20 de março de 2021: 11.000 m3/dia
- no dia 30/03 deve ser necessário no cenário crítico 18.500 m3/dia
- no dia 10/04 deve ser necessário no cenário crítico 27.500 m3/dia
No pior momento de 2020, que foi no dia 01/07/2020, o consumo de Oxigênio foi de 10.100 m3/dia no RN. Tipicamente, neste sábado (20), estamos ultrapassando esta marca do pior patamar de consumo de 2020, porém provavelmente com menor estoque (não confirmado). Possivelmente já deve-se perceber por estes dias um grande desabastecimento nas UPA’s e pequenas unidades do RN. Este cenário seguirá em alta enquanto as internações seguirem aumentando.
“Neste sábado (20) estamos ultrapassando a marca do pior patamar de consumo de oxigênio de 2020 e provavelmente com menor estoque hoje em dia”, alerta o Prof. José-Dias do Nascimento Jr., (UFRN)
TESTE DE CONSISTÊNCIA:
Em matéria do AGORA RN a declaração da gestão é “ O consumo de oxigênio na rede estadual de saúde do Rio Grande do Norte aumentou 15% nos últimos três meses”, segundo o Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP-RN). A demanda pelo recurso passou de uma média de 200 mil m³ para 230 mil m³ por mês, entre dezembro de 2020 e março de 2021. Destes valores, temos que
- 200.000 m3 = 6.666,6 m3/dia em dezembro. Este valor bate perfeitamente com o modelo, como mostrado na Figura acima.
- 230 000 m3 = 7.666,6 m3/dia em março. Este valor também está de acordo com o modelo, como mostrado a mesma Figura acima.
Estes valores, batem perfeitamente com os valores integrados de Dezembro/20 e Março/21 no modelo, provando a consistência do nosso cálculo. [FANTÁSTICA PRECISÃO !!]
(!) ==> Por outro lado, não foi informado pela gestão da SESAP-RN qual é o estoque do gás no estado para compararmos com esse valor e sabermos sobre colapso ou não nos próximos dias, semanas...
Concluindo
Este decreto de restrição das atividades essenciais não quebra em curto prazo a derivada de aumento na demanda de leitos de UTI’s e, consequentemente, o crescimento da demanda de oxigênio no estado do RN. Comprar mais oxigênio e concorrer com o mercado é temerário com a transmissibilidade em alta. Retarda o problema, mas não resolve. A única solução é a retenção da demanda e esta se dá somente através de um lockdown generalizado por um período de, pelo menos, 21 dias*.
Mesmo que o Governo do Estado amplie os contratos de fornecimento de oxigênio, como anunciado neste fim de semana (20 de março), para a rede estadual de hospitais, a velocidade de adoecimento devido a circulação da população gera manutenção dos altos níveis de saturação do sistema. Baixar a circulação é a única saída segura a curto prase neste momento de crise. No painel da ANVISA para o NORDESTE com produção, consumo e distribuição de oxigênio na pandemia de Covid-19,o Rio Grande do Norte aparece como não tendo produção própria nem envase de oxigênio no Estado, o que representa uma grande fragilidade. Monitorar e planejar é essencial e deveria ter sido feito desde a primeira onda.
*Por que 21 dias de bloqueio seria o ideal no RN?
Para citar algumas das justificativas;
- Medidas de quarentena como estas propostas no RN nos decretos de 5 de março de 2021 não funcionaram em praticamente todos os lugares do mundo aonde foram propostas.
- Os lugares onde se tentou restringir circulação da população durante algumas horas (intermitente) do dia, ou poucos dias por semana como no RN, acabaram migrando para o lockdown sem escolha e numa situação pior pela demora. Logo se for preciso lockdown, que seja feito o quanto antes. Um lockdown no pico da crise, tem menor eficiência. É por isso que desde o início de março estamos dizendo que o RN com estes decretos semiabertos segue sem perspectiva de melhora a curto prazo.
- No toque de recolher as pessoas são obrigadas a ficar em casa em determinados períodos do dia. Historicamente isto foi usado em situações de guerra, conflito ou desordem social ou desastres naturais. Uma ação que começou na verdade durante as guerras e para economizar óleo das lanternas nas ruas.
- O tempo de incubação e transmissão são muito maiores que 24h ou 72h (tempo das quarentenas habituais). Isso faz com que a transmissão siga praticamente igual nas saídas intermitentes.
- No Reino Unido, o toque de recolher foi adotado em setembro de 2020. Bares foram obrigados a fechar às 22h, mas, um mês depois, os casos de covid-19 continuaram crescendo. A situação forçou o primeiro-ministro britânico Boris Johnson a decretar um novo lockdown, que fechou todo o comércio não essencial e só permitiu que a população deixasse suas casas com justificativas.
- Trabalho na conceituada revista Science (janeiro/21) com base nos dados de uma província chinesa que aderiu à estratégia intermitente no início do surto de covid-19 mostrou que a medida reduziu a transmissão do vírus dentro da comunidade, porém aumentou o a infecção dentro das casas.
Aqui para o artigo sobre com detalhes do decreto de quarentena intermitente de 5 de março de 202 e que foi revisto em pelo DECRETO Nº 30.419, DE 17 DE MARÇO DE 2021. Funcionou? Não!
Prof. Dr. José Dias do Nascimento & Dr. Leandro Almeida (Física — UFRN);
Colaboração:
Dr. Jones Albuquerque (IRRD, UFRP)
Dr. André Prudente (Diretor geral do Hospital Giselda Trigueiro, Natal, RN)
Referências:
[1] Modelos MOSAIC — UFRN, Lyra, do Nascimento et al. (2020). “COVID-19 pandemics modeling with modified determinist SEIR, social distancing, and age stratification. The effect of vertical confinement and release in Brazil. PLoS One, v. 15, p. e0237627, 2020. doi: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0237627